segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

O rigor sem rigor nenhum

Numa fase de sol, praia e relax pós euforia futebolística, as últimas intenções governamentais, relativamente a cortes nos abatimentos fiscais em matérias essenciais e legítimas (Educação, Saúde, Habitação, entre outras) começam a surgir à tona de água. Por enquanto, ainda só nas notas de roda pé num qualquer Telejornal... Estratégias de marketing político para uns, propaganda calculista para outros.

Suspeita-se facilmente sobre qual a argumentação que sustentará tal medida fiscal. O Estado gasta o que considera ser demasiado com estas áreas e quer deitar mão a expedientes que limitem abusos – no preço de consultas, medicamentos, livros técnicos, rendas exorbitantes, etc – que depois terá de pagar à parte. E, de caminho, aumentando a arrecadação do IRS. Porém, o que sucede previsivelmente de seguida? Os produtos ou serviços continuam nos seus altos preços e os seus ainda mais altos lucros. Tal como poderá suceder com o preço da gasolina, mesmo baixando o imposto...

Voltando a dizer o que já muitos alertaram: quem vai acabar inevitavelmente (se nada se fizer...) por pagar a conta e ser o crucificado nesta aparente cruzada em prol da “justiça fiscal”? Será que é acabando com esses supostos “ricos” que ficaremos todos iguais? Talvez haja sempre alguns mais iguais do que outros... Afinal, o que é feito da máxima, utilizada tanto pela direita como pela esquerda, da igualdade de oportunidades?

Numa altura em que se apela à unidade nacional, a pactos de regime, a consensos de Estado é revoltante darmo-nos conta de como estes desígnios são usados para tentar que se passe um cheque em branco a políticas baseadas em critérios tão desiguais! No fundo, seria como se fosse nosso dever patriótico, em nome da estabilidade do nosso país, convidarmos e agradecermos a quem nos “rouba” a casa, porque não se consegue impedir as obras de ampliação do luxuoso palácio do vizinho!

O rumo traçado parece cópia das lendárias directrizes do xerife de Nottingham: cortar nas “migalhas” do povo (vulgo classe baixa e média) para continuar a deixar fugir as grandes fatias do bolo para os nobres (classe alta).

É fácil distinguirmos a classe alta como as grandes e chorudas instituições que detêm as grandes fatias do Produto Interno Bruto do nosso país: bancos (pagam 1 por cento de impostos!...), seguradoras, fortunas milionárias, farmacêuticas, construtoras, lucros bolsistas (para já não falar do jet-set português...). Muitos destes continuam a viver desafogadamente com um sorriso fiscal nos lábios... E na maior parte das vezes com a lei a protegê-los! Uma realidade à parte da “crise”...

Haverá sempre quem ache que são sacrifícios (para apenas alguns...) que se terão de fazer pelo desenvolvimento do país, mas se é de números que falamos, pois apontem-se algumas estatísticas esclarecedoras. Sabia que a diferença de rendimento entre os mais ricos e os mais pobres, no mundo, era de 30 para 1 em 1960 e subiu para 74 versus 1 em 2001? Sabia que 20 por cento dos mais ricos controlam 86 por cento da PIB mundial e 20 por cento dos mais pobres controlam 1 por cento?

E como é que se chegou a estes números? Como se deixou chegar a situação mundial (e nacional por arrasto) a este estado? E como será daqui a mais uns anos? Chegou-se a este ponto por decisões tomadas e por outras que não se conseguem tomar!...


vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

Mudar ou mudar "devagarinho"?

Há tempos, ouvimos o nosso Ministro das Finanças afirmar, com confiança, acreditar que dentro de pouco tempo será concluída uma mudança cultural, já em evolução, no nosso país, no que diz respeito aos cumprimentos fiscais: o abandono do “chico espertismo” da fuga aos impostos para passar ao cumprimento geral da população com discriminação forte a quem não o faz!

Com medidas cada vez mais rigorosas (talvez na opinião de alguns falte o levantamento do sigilo bancário), este facto poderá mesmo em breve ser uma realidade, sendo que actualmente já conseguimos ver que algo está mesmo a alterar-se neste ponto vital do desenvolvimento nacional e as pessoas começam a acreditar que é mesmo possível! Atenção que com isto não quero comentar a actuação do Governo, mas sim citar apenas este exemplo em particular!

Porém, há bem pouco tempo atrás, este fabuloso exemplo seria tido como culturalmente impossível numa qualquer conversa de café. O que pensavam as pessoas na altura? Basicamente dividam-se em dois grupos. As mais resignadas diziam “neste país sempre foi assim, não dá para mudar”, confidenciando, com um sorriso nos lábios, que só se “abrissem a cabeça às pessoas”! Outras, supostamente pessoas mais interventivas, alegavam que as “mentalidades” tinham que mudar e que só se poderia fazer isso “devagarinho”...

Ora, se o primeiro conjunto de pessoas assumidamente nada fazia, o segundo conjunto confiava numa mudança gradual “milagrosa”, nada fazendo porém, esperando que viesse tudo do “céu aos trambolhões”! Ouviam-se risadas cúmplices e amargas de uns e viam-se olhares cabisbaixos e apreensivos de outros. Mas a conclusão nos dois grupos era a mesma: não é possível mudar, portanto, caso encerrado e tudo ficava na mesma!...

Porém, neste caso, por exemplo, as coisas estão mesmo a mudar, embora não devamos “por a carroça à frente dos bois”. Resumindo, esta era uma mudança consensualmente pedida, impossível para alguns, que supostamente necessitaria de alterações “milagrosas” de longo prazo de “mentalidades”, mas o que é certo é que aconteceu e mais rapidamente do que se estaria à espera! Mas como é que se conseguiu?

Sucedeu que um terceiro grupo de pessoas assumiu a necessidade imediata de mudança (que já era reclamada pela maioria das pessoas na sociedade portuguesa, se bem que de formas diferentes...), recolheu opiniões e sugestões de métodos e critérios consensuais e simplesmente actuou com confiança e legitimidade. Ou seja assumiu-se que era mesmo para mudar e não para se ir supostamente mudando “devagarinho” por causa das “mentalidades” (no fundo será mais receio das resistências...). Este é apenas um exemplo de como se pode mudar a sério, com sucesso e a curto prazo: com “garra”!

Mas atenção, não parecerá esta “garra” para mudar uma imposição ditatorial? Não, existe uma enorme diferença relativamente à mudança autoritária que se constitui na possibilidade de participação, de dar voz a quem quiser sugerir (e não só destruir), de recolher opiniões construtivas para criar consensos de forma organizada e regular. Enfim, ouvir e responsabilizar na mudança que é sugerida consensualmente. E isto basta? Não. Depois há que agir com confiança, mudar sem receio, pois a razão aí já está do nosso lado, o apoio das pessoas também e nesta fase não as podemos defraudar...

No que diz respeito ao envolvimento das pessoas há que ter em conta um pilar de base: existe a “maioria silenciosa” (que não participa, nem sugere ou se responsabiliza) e a “maioria silenciada” (que pretende ser parte activa da mudança e que encontra um, muitas vezes “burocrático” e “pouco ruidoso”, não!).

E quando se volta atrás num processo de mudança participado? A pessoas que participaram não voltam a participar juntando-se à “maioria silenciosa”. As pessoas que não participaram ficam orgulhosas de não o ter feito e ganham “estatuto” para dar o seu exemplo à “maioria silenciada”. Os lideres e suas equipas que propuseram e trabalharam na mudança tornam-se “reféns” de uma nova autoridade agora criada: a “maioria orgulhosamente silenciosa”! Esta nova maioria impedirá para sempre e com muito mais facilidade qualquer tentativa de mudança consensual e tudo ficará para sempre na mesma para desgosto da esmagadora maioria das pessoas!

É óbvio que resistências a qualquer mudança surgem sempre e são humanamente inevitáveis, até mesmo em pessoas que concordaram com ela. Mas podem até ser positivas se servirem de exemplo, sabendo lidar-se com elas (quer os casos negativos, quer os positivos). E como lidar com as resistências à mudança? Primeiro, nunca alterando decisões consensuais tomadas em função de casos individuais. Segundo, com uma postura aberta e humilde, dando exemplos positivos do que se vai conseguir no futuro, lembrando exemplos negativos do que não se conseguia no passado, explicar, ouvir, oferecer ajuda nesta fase de passagem, etc. Enfim, compreender a dificuldade e resistência, mas sem voltar atrás ou deixar tudo como estava!

Ao longo da nossa História, as mudanças respeitadas sempre se deram com este terceiro grupo a “puxar”, a arriscar, a explicar, a inovar com humildade para ouvir e garra para avançar! Basta pensarmos num bom exemplo de envolvimento e “mãos à obra” colectiva portuguesa. A população portuguesa foi, a nível europeu, das que mais rapidamente se habitou à mudança de moeda escudo – euro! Este facto só por si motivo de orgulho, leva-nos aos pícaros do nosso ego se recordarmos que infelizmente estamos na cauda da europa a nível de alfabetismo, índices de escolaridade e formação! Uma gigantesca mudanças de “mentalidades” que não precisou de ser feita supostamente “devagarinho”...

vascoespinhalotero@hotmail.com

Motivação custa pouco dinheiro

Há tempos, ouvi alguém dizer que as organizações de sucesso a nível regional, nacional ou internacional só “acontecem” com quem faça as coisas acontecer: pessoas talentosas nas suas áreas, dedicadas, capazes de resolver problemas e com capacidade de criar soluções.

Os produtos podem ser imitados, a tecnologia pode ser comprada, até o dinheiro pode ser emprestado... Ora, cada vez mais, a “diferença” no mundo das organizações faz-se com ideias e projectos de qualidade criados por…pessoas motivadas!

Parece simples e óbvio. Porém, muitos logo dirão, num juízo muito popular, que a motivação vem do salário e mais nada, tudo o resto é perda de dinheiro precioso para a organização. Outros acrescentarão que a motivação é uma obrigação, pois, se estes não servem há mais quem queira, na lei da selva do mercado liberal... Nada mais errado ou, pelo menos, mal informado.

Em primeiro lugar, quando uma organização perde um trabalhador eficiente perde tudo o que nele foi investido até então (formação, benefícios, apoios, etc). A perda é duplicada quando há necessidade de dar formação às pessoas que vieram substituir as que saíram e quanto mais alta for a posição hierárquica mais altos os custos...

Por outro lado, se analisarmos bem, concluiremos com realismo que as pessoas trabalham, entre outras coisas, também e muitas vezes, acima de tudo, por dinheiro, mas motivam-se e dedicam-se de “corpo e alma” a metas enaltecidas de valores, missão e o seu contributo para o todo.

Vejamos um exemplo quando as coisas correm bem. Quando, no dia-a-dia de trabalho, o trabalhador persegue o cumprimento ou superação de objectivos (anteriormente negociados em consenso com a sua chefia), não abandona situações/casos pendentes com clientes internos ou externos e apresenta propostas de melhoria / inovações (não apenas para um caso, mas para aspectos transversais) que julga terem boa probabilidade serem ouvidas e aprovadas.

E como surgem as condições para que os bons exemplos floresçam? Os bons ambientes de trabalho seja em equipa de trabalho, seja em toda uma organização não surgem do acaso. São, sim, criados de forma fundamentada e preparada seja em meio público ou privado. Deixem de lado factores como sorte, dinheiro, crise ou o clássico “muito trabalho a fazer que não se tem tempo para essas coisas” para justificar os maus ambientes de trabalho...

Há que sublinhar claramente que satisfação no trabalho não é sinónimo de boas práticas por decreto, requer atitudes partilhadas e discutidas em equipa, acções concretas e compromissos assumidos / cumpridos, sobretudo por parte das lideranças.

Enfim, organizacionalmente, a motivação não pode ser vista como despesa, pois, na verdade dos factos e dos números, é investimento e na esmagadora maioria das vezes custa pouco dinheiro. Precisa, sim, de visão estratégica de longo prazo e podem crer que tem retorno, muito retorno.
Devo esclarecer que a minha opinião é baseada em literatura científica da área e na aplicação no terreno de práticas de motivação em organizações públicas e noutras privadas, algumas líderes de mercado e nestas últimas pensa-se em tudo, excepto em perder dinheiro!...

vascoespinhalotero@hotmail.com
(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

Já que se fala em união nacional...

Numa altura em que o nosso país parece estar numa fase decisiva de explosão ou implosão de desenvolvimento, em plena onda nacional de euforia via Mundial de Futebol, com a atenção distraída para o fenómeno desportivo, anunciam-se, como que assobiadas pelo vento, algumas vontades governamentais. Subitamente, acordamos do sonho futebolístico no qual todos estávamos no mesmo “barco”: o da união nacional.

As últimas intenções, relativamente a cortes nos abatimentos fiscais para matérias essenciais e legítimas (Educação, Saúde, Habitação, entre outras), por enquanto, ainda só passam em nota de roda pé num qualquer Telejornal... Decisões como estas não são mais do que brechas no “barco” da união nacional onde todos sonhamos, por momentos, estar.

Ora, parece que, para nosso pesadelo, só quando toca a futebol é que aparecem algumas figuras importantes no papel de adeptos e até (pasme-se!) de comentadores desportivos, com alma patriótica e cachecol aos ombros, pedindo uma “ingénua” boleia no tal “barco”...

Sem mais demoras e achegas, falemos, então, do assunto “esquecido” da actualidade: impostos. Em primeiro lugar, convém enaltecer o trabalho que tem sido desenvolvido, a um certo nível cultural, no que diz respeito aos cumprimentos fiscais: o progressivo abandono do “chico espertismo” da fuga aos impostos para passar ao cumprimento geral da população com discriminação forte a quem não o faz! Mas, será que se está a apontar para todos aqueles que não cumprem legal ou ilegalmente?... Um velho paradoxo na sociedade portuguesa.

Sejamos francos na análise, sem cairmos em generalizações irresponsáveis. É fácil listarmos as grandes e chorudas instituições que detêm as grandes fatias do Produto Interno Bruto português: bancos (pagam 1 por cento de impostos...), seguradoras, fortunas milionárias, farmacêuticas, construtoras, lucros bolsistas (para já não falar do jet-set português...). Muitos destes continuam a viver desafogadamente com um sorriso fiscal nos lábios... E, na maior parte das vezes, com a lei a “protegê-los”! Uma realidade à parte da “crise”...

O ideal seria, sem dúvida, termos no nosso país uma cultura de responsabilização, de transparência, de levantamento total do sigilo fiscal e do sigilo bancário, porém como a tradição portuguesa, infelizmente, vai muito mais no sentido da denúncia e do “apontar o dedo ao vizinho”, o Governo optou por esta via, à primeira vista, mais segura.

Segura no sentido de facilmente detectável com a cultura da espionagem. Basta pensarmos na justificada revolta que provoca conhecer “vizinhos” descarados que, declarando salário mínimo, possuem com um orgulhoso piscar de olho potentes carros e luxuosas moradias... Porém, se nos reportarmos ao grande crime económico, não descarado, mais sofisticado e disfarçado, as coisas tornam-se mais complicadas de sinalizar e investigar...

Também é certo que, com a (actualmente utópica?) transparência total, os grandes grupos financeiros facilmente encontrariam um simpático e silencioso off-shore ou optariam pela mudança para outro país de mão de obra mais barata e governo mais “amigo”... Enfim, a lei da selva do mercado “livre” global...

Já que se fala em união nacional em torno da selecção portuguesa de futebol com tão bons resultados, porque usar a mesma táctica para esta e outras questões?

vascoespinhalotero@hotmail.com

(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

Assumir que filho de peixe.. sabe inovar!

Antigamente, a profissão era, muitas vezes, herdada por tradição familiar, numa suposta continuidade de características genéticas relativas a interesses e capacidades transmitidas de geração em geração. Tinha-se como certo que “filho de peixe sabe nadar”. No entanto, com o avançar da História as tradições foram caindo, para o bem e para o mal, e os “filhos deixaram mesmo de saber nadar” ou talvez nunca tivessem mesmo gostado de “nadar”.

Ou seja, as novas gerações ganharam mais espaço para apresentar aos antecessores os seus interesses e capacidades, não apenas aquelas que os seus pais gostariam que tivessem. Os “filhos de peixe” passaram a poder assumir que preferiam, por vezes, correr, saltar, estudar ou trabalhar noutro ofício.

Esta nova liberdade gerou mudanças repentinas que, nalguns casos, criaram vergonha nos “novos” em assumir os labores familiares dos “velhos”. Pela sua parte, os pais, embora desgostosos, acabaram por aceitar as novas opções dos filhos, muitas vezes, quando lhes era explicado que as saídas profissionais ou salário eram mais risonhos...

Ora, se seguir, sem escolha alternativa, a profissão dos pais, hoje em dia, já é pouco aceitável, também o será o menosprezar destas “velhas profissões” por não estarem na moda ou não constituírem estatuto de doutor, engenheiro, enfim.

O mesmo erro é cometido relativamente às tradições e “compreensões” culturais, que passando durante décadas de geração em geração, “emperraram” nestas últimas (das quais também faço parte). Ora, este “corar de vergonha”, relativo ao passado profissional e cultural de muitas gerações em Portugal, criou um “buraco” de partilha de experiências e de valorização profissional, cultural e, porque não, de orgulho nacional (que não se mede apenas pelos gritos das claques da selecção nacional de futebol...).

Julgo, porém, que felizmente começamos a recuperar deste bloqueio. Já podemos ver, por exemplo, gente nova com profissões simples e manuais. Nestes casos específicos, o papel dos cursos profissionais, técnicos e os novos currículos escolares foi e continuará a ser fundamental para combater o insucesso escolar e a acumulação de mão de obra pouco qualificada e desempregada... Já ouvimos dizer com orgulho ou naturalidade sem complexos “sou mecânico”, “sou pintor”, “sou jardineiro”, entre outros.

Por outro lado, vemos de igual modo, hoje em dia, frequentemente, pessoas bastante qualificadas terem como hobbies actividades mais simples e “humildes”. No fundo, talvez sempre tenham sido a sua verdadeira vocação, mas que, por diversos motivos (financeiros, saídas profissionais, proximidade de casa ou estatuto socio-profissional), foram postas de lado. É, pois, possível conciliar o que se faz e o que se gosta no mesmo trabalho ou na conjugação trabalho/hobbie. Não deixo de pensar que o assumir, na idade adulta, destes sonhos ainda possíveis de realizar é um acto de comunhão com o passado pessoal, mas também com a herança geracional, no sentido em que aprendemos a respeitar outras profissões, outros tempos e realidades, outros projectos de vida.

E depois há questão salarial... Atentemos para o facto de que, actualmente, um bom mecânico poderá ganhar mais dinheiro do que um mau” engenheiro”, pelo menos assim faria sentido... Acho que não serei utópico, mas sim realista se esperar que um dia as pessoas ganhem mais ou menos, em grande parte, pelo seu desempenho pró-activo e não pelas “medalhas” que trazem ao peito ou anéis nos dedos.

Sonho até que a “doutourice” ou “engenheirice”, ou seja, a reverência e subserviência das pessoas relativamente aos detentores de títulos profissionais sonantes (que de tanta mordomia mais parecem de tempos passados) terá inevitavelmente os dias contados. Se quisermos apostar no desenvolvimento sustentado e não na exploração do “zé povinho” remetido ao suposto seu estatuto de trabalhador “não –pensador”. Creio ser inevitável seguirmos por este caminho...

Temos exemplos concretos desta pesada corrente cultural que se manifesta também no século XXI : os estrangeirismos que usamos na nossa língua para dar um “ar moderno”, os termos técnicos com que nos vangloriamos sem conseguir “trocar por miúdos”, a pomposidade do fato e gravata que nos retira naturalidade de movimentos e pensamento, a hiper-preocupação ou obsessão em dar uma boa imagem (esquecendo quem o faz que se trata apenas disso, não mais do que uma “casca” que não chega para mostrar recheio...). Devo dizer até que, a título pessoal, não me convencem sobre a manutenção de termos “estrangeiros” na língua portuguesa, supostamente, por não haver tradução possível para português...

Por mais paradoxal que possa parecer, penso que, para os portugueses vencerem o desafio da inovação, a recuperação deste conhecimento e orgulho do passado profissional e cultural das anteriores gerações nacionais é essencial. Sucede que isso pode ser transformado em confiança para criar, propor, arriscar, na medida em que sabemos o “chão que pisamos”, a História que herdamos e o futuro que podemos fazer crescer. Conhecer o nosso passado permite-nos olhar em frente, pois sabemos que representamos uma “equipa de várias gerações“.

Poderão dizer-me que estou a ser demasiado drástico ou abusivamente generalista (é claro que há excepções), mas a História, neste caso, suporta o meu juízo. Basta pensar na quase eterna submissão portuguesa ao império inglês e, em contraponto, ao empreendorismo dos Descobrimentos em que avançamos, arriscamos e inventamos sozinhos, mas juntos e esclarecidos sem “falinhas mansas”...

vascoespinhalotero@gmail.com

(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional

A Perda de uma Pessoa

As chamadas intervenções em crise têm sido mais faladas em termos mediáticos por altura do Verão, aquando das tragédias humanas causadas pelos incêndios ou noutras calamidades públicas que envolvam perdas materiais e, sobretudo, humanas. O apoio psicológico nestas situações de perda inesperada é muito importante (pois cada pessoa que sentiu a perda está tão abalado por esta que apenas consegue preocupar-se, numa primeira fase, em reagir individualmente), mas também o poderá ser nas situações de perda já esperada, tudo depende de muitos factores... E como saber se precisamos de ajuda ou não?

Os acontecimentos de perda não se tratam daquelas situações que pensamos só acontecer aos outros e depois até nos podem acontecer a nós, são sim acontecimentos inevitáveis na vida! A questão aqui é como reagir da melhor forma possível e evitar que uma má “digestão” deste processo nos marque negativamente para o resto da vida. Sim, porque existe o perigo, não pelo acontecimento negativo em si ter ocorrido, mas sim pela forma como o “encaixamos”. É óbvio que cada pessoa tem a sua forma específica de ser e, consequentemente, de reagir. É bom esclarecer que a boa gestão psicológica da situação não é sempre a mesma, ou seja não existe uma “receita única que se dê às pessoas para que não fiquem traumatizadas com a perda que sofreram”!

Cada pessoa “trabalha” a questão de maneira diferente, trilha caminhos próprios, mas existem parecenças gerais e “sinais vermelhos em várias dessas estradas” que não se podem passar e às vezes sozinhos não os conseguimos distinguir. Agora o que se pode fazer autonomamente, em grupo/família e/ou com apoio psicológico profissional é prevenir, no momento a seguir à perda (horas, dias, meses), que não se reaja de formas específicas bem descritas que já sabemos poder ter consequências danosas no futuro para pessoa.

Nas situações de perda é importante realizar o luto sob dois grandes pilares: as atribuições do acontecimento (“porque perdemos esta pessoa?”; “porquê agora?”; “existe um responsável por esta perda?”; “agora fiquei sozinho?”; “sofro mais ou menos que os outros?”; “o que é que poderia ter feito para impedir isto?”, etc) e as recordações da pessoa que perdemos (ex: a forma como descascava uma laranja, como andava de bicicleta, a sua preguiça em trabalhar, as brincadeiras com os netos, a barba que picava quando lhe tocavam, as suas intermináveis histórias à refeição, etc).

Relativamente ao primeiro pilar, aqui mais que tudo é necessário que uma ou mais pessoas ao lado ajudem quem faz o luto a elaborar respostas verdadeiras e adequadas, não fugindo aos factos, evitando dúvidas e principalmente atribuições extremas e perigosas que possam gerar revolta, agressividade, vingança (ex: “isto foi tudo culpa de Deus”; “vou vingar-me”; “agoira não confio em ninguém”; “as pessoas são todas más no mundo”, etc). Atenção que isto não implica que se uma pessoa quiser gritar, chorar desalmadamente não o possa fazer! Apenas o conteúdo das suas explosões é que deve ser apoiado e explicado convenientemente. Como? Com espaço, esperando pelo silêncio da pessoa para então falar de forma a que ela oiça realmente! E não de “rajada racional”, “calando a pessoa”, reprimindo-a até mesmo involuntariamente, não deixando espaço à pessoa para libertar as emoções! Só depois desta libertação poderá mais facilmente compreender a análise racional dos factos que lhe é proposta por quem está a apoiar (amigos, família ou profissional).

Aliás, os ataques de choro são momentos de catarse importantíssimos que normalmente surgem em presença de pessoas que nos são queridas e que conhecem bem o nosso interior, representam o quebrar das nossas barreiras racionais e o abrir de portas à emoções que depois ajudam a equilibrar a nossa personalidade e vivências futuras. Em suma, são inevitavelmente necessários e estruturantes para a nossa vida! O perigo surge quando a pessoa não chora, mantém-se com “compostura”, supostamente está bem, mas há uma série das tais questões que referi atrás que ficaram mal esclarecidas, cria-se a uma calma aparente que mais tarde se mostra na forma de depressão, ataques de fúria, em atitudes frias e calculistas, enfim, psicopatologia ou mesmo psicopatia!

Relativamente ao segundo pilar chamo a atenção para o facto de se ter referido, como exemplos, pormenores característicos de uma pessoa, bons ou maus, não fazendo dela um “santo” nem um “diabo”! Estas duas tentações tornam-se perigosas no sentido em que poderão muito facilmente levar a pessoa que faz o luto a dizer “esta era uma pessoa totalmente perfeita, a vida vai ser terrível sem ela” ou “esta pessoa era totalmente terrível, ainda bem que partiu, se calhar até foi bom”. Ora, tanto uma posição extrema como a outra levam a que nos recusemos a reconhecer o legado de conjunto que a pessoa nos deixou e que “escavemos um buraco” nas recordações da nossa vida (sucede que mais tarde idolatramos a pessoa de forma doentia e só falamos dela ou, no outro extremo, já não nos lembramos sequer dela e temos vergonha que tenha existido por completo).

Para evitar estas situações é bom que falemos com pessoas que nos são próximas ou genuinamente interessadas em ouvir-nos sobre as características da pessoa que partiu, na fase que se segue à perda (não deixemos isso para depois, isso será uma fuga que depois nos dará um “nó na barriga” de angústia do que ficou por dizer!). Por um lado, não nos devemos “fechar” pelo suposto receio de demonstrar fraquezas ou de ser “lamechas”. Por outro lado, também não deveremos andar por aí a falar com “toda a gente que nos aparece à frente”, pois não podemos ter a atitude carente ou fria de “publicitar” uma perda que sofremos para obter ganhos e favores futuros: uma perda não pode ser nunca um instrumento!

Como há tempos um amigo me disse: as pessoas não têm defeitos nem qualidades, têm características e todas elas são únicas! Já pensaram que não há ninguém no mundo que caminhe da mesma forma, que sorria da mesma forma, que pegue numa caneta da mesma forma, que diga bom dia ou boa tarde da mesma forma, entre outros milhares de coisas únicas? É precisamente isto que devemos recordar e partilhar com pessoas que nos são próximas sobre a que partiu, pois estas são as suas marcas. Essa é a melhor forma de agradecermos a presença da pessoa que perdemos na nossa vida, de dizermos obrigado por tudo o que fizemos juntos. E eu digo obrigado avô.

vascoespinhalotero@hotmail.com

Desporto para todos

Há tempos, numa conversa informal, alguém referiu a existência de uma grande lacuna no desporto português: a falta de formação de qualidade para crianças e adolescentes. Seria aí a prioridade de intervenção, de criação de infra-estruturas, formação técnica, investimento de fundos, etc. Ainda segundo esta opinião, o investimento em adultos seria desperdício, pois “burro velho não aprende línguas” e um grande desportista não se faz de um dia para o outro e tem que começar cedo.

Concordei, mas só no que se refere ao desporto de alta competição. Na minha opinião, relativamente ao desporto de lazer ou manutenção é igualmente importante o investimento no desporto para adultos e idosos!

Vejamos, no desporto em geral existe a alta competição, que inevitavelmente abrange uma percentagem baixa da população, e existe o desporto de lazer ou de manutenção, este sim, capaz de absorver a grande maioria da população (pois nem todos podem ser “Figo, Rosa Mota, Carlos Lisboa ou Nuno Delgado”, mas quase toda a gente poderá ou poderia praticar futebol, atletismo, basquetebol, judo ou qualquer outra modalidade).

Por outro lado, se é certo que as fronteiras entre o desporto de competição e o desporto de lazer são bem definidas, também é certo que estes podem funcionar num contínuo em que proporcionando à população a opção do “experimentar” uma modalidade, se acaba por descobrir talentos, podendo aproveitá-los, quanto mais cedo melhor, para a competição. Ou seja, do geral para o particular, uma coisa beneficia a outra!

Com alguma atenção e auto-análise, damo-nos conta que em Portugal se confunde com incrível ligeireza desporto com desporto de competição! Sejamos realistas, num país com alguns “craques” do desporto, a maioria da nossa população é extremamente sedentária, sendo que a prática desportiva regular mais intensa para muita gente é estar no sofá a ver futebol no papel de “treinador de bancada”!

Provavelmente alguns dirão que, de vez em quando, dão uma “perninha” no futebol de 5. Ora, apesar de serem, na globalidade, poucos os que o fazem, há que reconhecer que a prática do futebol de 5 por adultos é, no nosso país, mais aceitável. Porém, também através deste facto, podemos apresentar outro dado: falta de alternativas ao futebol de 5, no quer diz respeito à prática desportiva por adultos!

Proponho-vos um desafio: se forem adultos, tentem lembrar-se de uma única vez (que não no vosso percurso escolar) em que praticaram basquetebol, voleibol, andebol, hóquei em patins, remo, ciclismo, ginástica ou mesmo um qualquer tipo de dança, só para citar alguns exemplos? Pensem nas alturas em que algum colega adulto vos diz “temos que fazer algum desporto” e logo surge apenas o futebol de 5 como se fosse a única alternativa possível!

É certo que há gente que pratica, de quando em vez, ténis, natação, atletismo, hipismo ou ginásios para manutenção. No entanto, são, infelizmente, minorias, sendo que nalgumas modalidades o afastamento do público potencialmente interessado se deve mais ao “rótulo social” de desporto elitista do que a puro desinteresse.

Concluindo, em Portugal, existe, sem dúvida, uma falta de prática desportiva regular em desportos variados principalmente entre os adultos (relativamente a crianças e adolescentes já não é bem assim). Seja por falta de interesse cultural enraizado, relativamente a algumas modalidades, com pouca tradição no nosso país, seja por falta de oferta de infra-estruturas e formação técnica, o que é certo é que a partir sensivelmente dos 30 anos pouca gente faz desporto e quem o faz na esmagadora maioria é um jogo de futebol de 5 quando calha... Será que o desporto não vale a pena?

vascoespinhalotero@hotmail.com

(*) Psicólogo do Trabalho e das Organizações / Orientação Vocacional